A Astrologia nos desperta para o misterioso. Nos caminhos do mistério, sentimos a clara necessidade de investigar novas compreensões, encontrar chaves, passagens para níveis cada vez mais altos e claros de entendimento. Desvendar o mistério.
Às vezes falta motivação. Outras vezes, humana preguiça nos comove e convence. Em alguns momentos podemos perder o foco e, em outros, encontrar o foco novamente, mas sempre a Astrologia – uma vez que entremos nesse misterioso caminho – nos alimenta de alguma forma e se faz presente em nossas vidas.
Se tivermos sorte, ou estivermos atentos o suficiente, podemos prosseguir com eficiência e alguma produtividade. Novas sementes surgem sempre quando se caminha e, se as semearmos, frutos bons devem brotar.
Foi nessa busca de novas sementes e necessidade de solo fértil que encontrei um aluno virtual. Ou melhor, ele me encontrou. Veio transbordando de perguntas. Perguntas instigantes, que vão obrigando a gente a ficar desperto, e, dentro desse estímulo desafiador, podemos aprender algo novo com o que surge no silêncio que acontece entre uma pergunta e sua resposta. Um turbilhão de idéias aparece quando a energia flui entre as pessoas, e, exatamente nesse acontecimento, nessa troca, nasce uma inédita compreensão do que se vem aprendendo a cada dia. Novas sementes estão sendo plantadas.
Estou aqui compartilhando um desses diálogos com meu aluno virtual, seqüência daqueles que vêm acontecendo e princípio de outros que já prometem aflorar.
O material foi um pouco editado durante a transcrição para as idéias ficarem claras, mas nada foi efetivamente alterado. O formato é o de perguntas e respostas, reproduzindo o mais fielmente possível as conversas que tivemos.
Tratávamos aqui de um tema recorrente nos dias de hoje: viver o presente e como a astrologia pode se aplicar a isso.
Aí está o resultado. Experimentem.
P – O que é “astrologia focada no presente”?
R – Astrologia do Presente (vamos resumir com essa expressão) é a astrologia do que é presente, daquilo que esta acontecendo agora. É uma astrologia que não trabalha com base no Tempo, ou seja, não é seu propósito fundamental operar com o futuro ou com o passado. O tempo dos verbos é conjugado no presente, raramente no futuro ou no passado e nunca no futuro do pretérito.
A idéia de passado e futuro para a Astrologia do Presente é encarada exatamente como uma idéia, um pensamento, um entendimento. Pode ser mais que isso?
Passado é compreendido como referência na formação do estado de ser atual, e pode, a partir daí, ser deixado em seu devido lugar. Podemos não precisar mais carregar o passado todo o tempo.
Também não é propósito de uma astrologia focada no presente gastar energia com o futuro. Ele só pode ser construído neste exato instante: não há necessidade de se pré-ocupar, pré-sentir, pré-ouvir ou pré-dizer, porque o tempo do agora pode ser usado plenamente para saber e viver o que está acontecendo exatamente agora. Não é possível viver de fato antecipadamente uma situação, como não é possível respirar agora a próxima respiração.
P – Esse jeito de olhar para a Astrologia usa o horóscopo para quê?
R – A Astrologia do Presente usa o horóscopo exatamente como aquilo que ele é: um mapa. Um roteiro ou um guia para nos conduzir a um determinado lugar, um lugar muito especial: nossa casa. Para a Astrologia focada no Presente, o horóscopo é o mapa do caminho do retorno à nossa casa, ao nosso Ser.
Curiosamente, o mapa de uma viagem que nos conduz ao lugar onde sempre estivemos e eventualmente não lembrávamos. Um lugar ao qual nunca chegaremos de fato porque nele já estamos. Sempre estivemos.
P – O Horóscopo, nessa visão, mostra como somos?
R – O mapa astrológico mostra o que pensamos que somos, o que nos ensinaram que somos, e não necessariamente o que na verdade somos.
Se olharmos corajosamente para tudo aquilo que não somos – e pensávamos ser – podemos arrancar os véus, podemos tirar as máscaras, despir toda fantasia a nosso respeito, toda carga de crenças e condicionamentos que costumamos chamar de personalidade. O que restar disso tudo será exatamente o que somos, nossa essência, aquilo que É.
Naquilo que Somos não existe sofrimento. O sofrimento é criado pelo esforço em sermos outra coisa, que não nós mesmos.
P – Como eu posso saber se “aquilo que somos”, o que restou depois de jogar fora tudo que descobrimos que não somos, também não é apenas mais uma ilusão, como era aquilo que pensávamos ser?
R – Não há como saber. Isso não tem nada a ver com saber. É apenas um sentir, tão absoluto que se transforma em uma convicção, em um sentimento de integração com algo tão imenso, que qualquer palavra que se diga é tosca diante da grandeza do que se sente.
As palavras perdem o sentido, não são suficientes para descrever o estado revelado, como quando alguém se apaixona profundamente, por exemplo.
Então, não precisa saber. Basta sentir que perceberá que não é uma ilusão. E pode inclusive escolher onde quer existir: se nesse estupendo sentimento de totalidade e liberdade, ou no velho sentimento de segurança e luta pela segurança.
P – Se eu descobrir tudo que não sou através do mapa, meus problemas acabam?
R – Não. Nenhum problema acaba, porque em essência eles nem existem. Nada muda na verdade no mundo das aparências. Você apenas fica sabendo que você não é seus problemas. Eles nem sequer são seus problemas, e, sabendo isso, você pode olhar para eles, observá-los e agir com autonomia sobre o que acontece. O mapa astrológico permite que você possa olhar para aquilo que chama de problemas, sem se identificar com eles, e isso facilita e permite a resolução das coisas.
P – Então os signos, planetas e Ascendente e tudo mais da astrologia não mostram aquilo que eu sou, como sou?
R - Durante milênios, o Ser vem sendo convencido de que ele pode ser alguma coisa, que ele precisa ser “alguém”, que ele tem uma personalidade, que existem infinitas classificações e níveis em sua personalidade, mas isso é apenas uma idéia, um pensamento, uma crença instituída. A única função da imposição cultural dessa necessidade de ser alguém ou alguma coisa é manter o indivíduo afastado de seu verdadeiro Ser. Você não é o que seu horóscopo mostra, mas pode utilizar esse recurso simbólico como canal da expressão do que você realmente é.
Estamos falando aqui de uma mudança de paradigma.
P – Mas como então funciona meu signo? Como é que as pessoas se comportam exatamente de acordo com o signo, Ascendente, Lua, etc.?
R – As perguntas já contêm em si a resposta: “as pessoas se comportam”. É apenas comportamento condicionado. É simplesmente uma representação possível – dentro do plano da matéria – de qualidades essenciais e transcendentes. Comportamento pode ser escolhido. Comportamento pode ser condicionado. Ninguém é seu comportamento, e o horóscopo não tem como mostrar com exatidão as infinitas possibilidades de comportamento. Só o intérprete enxerga e presume comportamentos no horóscopo. E só acerta, com aparente precisão, quando eles são repetitivos e automáticos.
O horóscopo é um meio de rompermos conscientemente com acordos existenciais, que jamais fizemos por livre vontade; nos livrarmos de programações e crenças que não nos dizem respeito.
P – Então, o horóscopo não serve para a gente se compreender melhor e também melhorar nossas vidas?
R – O horóscopo certamente serve para que você se compreenda melhor, exatamente por saber quem você não é. Poder se livrar de todos os rótulos e descrições – que lhe foram impostos através de tantas gerações – é uma grande experiência de liberdade e um ato de rebeldia sem precedentes em sua vida. Olhar o horóscopo, e se permitir deixar de ser aquilo que pensava ser, é absolutamente revolucionário.
Quanto à “melhorar nossas vidas”, basta examinar a sua própria vida e fazer a pergunta: melhorar o quê? Como se pode melhorar a vida?
Você só pode permitir que a vida flua sem resistir a ela. Você simplesmente pode fluir junto com a existência, sem ficar impondo regras, que estão em sua mente e em nenhum outro lugar. A vida é a vida e pronto, não há como melhorar a vida. O ato de viver já é completo e pleno em si mesmo.
O que podemos é navegar com doçura, fluir harmoniosamente com a vida. Isso é um grande passo, o único. E então, tudo funcionará exatamente como deve funcionar.
P – Mas como se explica, por exemplo, que uma pessoa do signo de Capricórnio seja ranzinza, ou um ariano seja impulsivo?
R- No universo das aparências, um capricorniano pode ser ranzinza e um ariano impulsivo, mas é apenas uma ilusão institucionalizada, é apenas uma expressão comportamental. A essência desses seres nem é uma coisa, nem outra. Ser ranzinza ou impulsivo é uma escolha, um condicionamento ou uma imposição cultural e não uma fatalidade. Essencialmente, quem pode ser ranzinza, ou seja lá o que for? Apenas o ego, a mente, pode se identificar com esses programas comportamentais e se sujeitar a eles.
Ao identificar-se com a descrição que é feita dela - tanto a construção subjetiva que acontece no próprio processo histórico de sua vida, quanto descrições objetivas, feitas por astrólogos ou leituras - a pessoa passa a agir assim e pensar que é esse agir, ou melhor, pensar que ela é essa descrição. As explicações dadas aos signos ou ao horóscopo servem para sedimentar a ilusão do que pensamos que somos ou, no caminho da consciência, para nos libertarmos disso verdadeiramente.
P – Então, para que serve enfim a Astrologia?
R – Serve para saber o que a pessoa não é. Isso é suficiente. Todas as análises descritivas feitas a partir do horóscopo são falsas – pois se referem a uma realidade projetada – e ao mesmo tempo, na dimensão do ego, são verdadeiras, porque correspondem à manifestação do Ser dentro da realidade que ele mesmo Cria. Se considerarmos isto, essas descrições podem se tornar úteis, pois nos permitem questionar e nos livrarmos de todas as ilusões nas quais estamos submersos, permitem que olhemos para aquilo que pensamos (ou pensávamos) que somos sem nos identificarmos. Nesse caso, o horóscopo se torna uma poderosa ferramenta de libertação.
E no caso de acreditarmos ser aquilo que o mapa ou o astrólogo descreve, o horóscopo se torna um lastro que nos puxa sempre para a mesmice e para a repetição de padrões.
Quando, por exemplo, a natureza do capricorniano ou do ariano é compreendida, quando se reconhece que, na totalidade do fluxo de energia universal, as qualidades desses signos e dos outros existem, independentemente de nossa identificação ou vontade, só então podemos fluir de acordo com essas energias e em perfeita sintonia com a natureza e potencialidade manifestada através dos símbolos, dimensionada e modulada sob a forma do corpo que ocupamos.
P – Então, toda a Astrologia que é normalmente praticada no mundo não serve para nada?
R – Serve sim. A Astrologia “normalmente praticada” é útil para manter o mundo exatamente como se acredita que ele é. É um alimento para a mente, para o ego. É um poderoso instrumento para justificar a miséria humana na medida que vai explicando e ajudando o indivíduo a se identificar com a condição em que vive.
Existe um ponto na vida de todos, um momento no qual o espírito grita e o corpo-mente talvez ouça. Esse é o momento no qual se joga tudo que se sabia fora, todo conhecimento inútil acumulado, o momento em que o novo começa a ser constatado como a única experiência possível em nossas vidas, o momento de des-cobrir. É um instante mágico, em que podemos constatar que todas as descrições foram feitas para alimentar e manter nossa personalidade, e através dessa personalidade, cristalizar o mundo na formatação que ele tem.
Quando ouvimos o chamado de nosso espírito, ocorre algo como uma “sensação de infinito”, uma clareza na consciência, um tempo no qual tudo que foi descrito antes perde o sentido e podemos então fazer uma escolha, a única possível: viver o agora.
Podemos fazer uma opção por nós mesmos e pararmos de atender à solicitação da cultura e da sociedade para que sejamos os seres submissos que querem que sejamos: basta “sair do tempo”, viver no presente exato em que estamos e não no futuro e no passado imaginários.
Podemos romper os acordos culturais que nos foram impostos. Eles só têm valor no medo do futuro ou na nostalgia do passado. Podemos eliminar todas as crenças de nossa vida. Todas nos remetem ao Tempo não-presente, ao futuro ou passado.
P – Mas a análise do horóscopo não pode ajudar a resolver problemas psicológicos e emocionais?
R - A Astrologia não é psicologia. A Astrologia não é terapia. A Astrologia não resolve problemas. Ela pode apresentar o problema a ser enfrentado. A atitude precisa é que resolve problemas.
As psicoterapias convencionais trabalham com um sujeito que está inserido em uma determinada programação e dentro de um contexto cultural definido. Sua função mais evidente é fazer o indivíduo se conformar àquela programação, ser feliz e adaptado com aquilo que ele pensa que é, e com o mundo fora dele.
Podem ser úteis nessa dimensão e para aquele sujeito, especialmente quando se acredita que a vida é feita de sofrimento, conflitos e dores, e na luta contra essas dores. Quem está de bem com a vida, quem está vivendo dentro do amor, não procura psicoterapia ou qualquer outra terapia. O amor que sente o faz sentir-se são. Pode haver maior cura que essa? Creio que todos nós tivemos oportunidade de experimentar isso uma vez na vida.
As linhas convencionais de psicoterapia criam uma situação de harmonia e equilíbrio entre o indivíduo e seu ambiente imediato, causando contentamento e bem-estar, sem questionar jamais o fato de que está integrando uma pessoa a um determinado ambiente tantas vezes doentio e insalubre.
Para tolerar e conviver com um mundo hostil a qualquer tipo de consciência é necessário muitas vezes tornar-se “ele”, tornar-se esse mundo, transformar-se naquilo que as demandas sociais e culturais esperam do indivíduo, e isso consiste em um evidente processo de afastamento de sua própria essência, de si próprio.
A necessidade dessa adaptação ao meio exterior é também conhecida como “normose” (como elaborou Pierre Weil, entre outros), talvez a fonte de todas as doenças modernas. A Astrologia do Presente desconstrói essa relação, no momento em que a pessoa percebe que ela já é o que tinha que ser, já está sendo, e ela é a criadora de sua própria realidade, nesse exato instante, sempre.
P – Se a realidade existe dentro desse conceito de “essência divina” ou de “consciência cósmica”, e se a pessoa se harmonizar com a sociedade como ela é, também não estará se afinando com a mesma consciência cósmica que tudo isso criou?
R - Tudo que podemos perceber no que você denomina “realidade”, apesar de – supostamente – ela existir independentemente de nossa percepção, será necessariamente e sempre reconhecida através de nossos próprios critérios e conceitos, será identificada pelos códigos e padrões que foram condicionados em nossa mente através da imposição cultural, através da educação – que é um canal para aquilo que vem de fora. E não poderia ser de outra forma.
Você acredita que é realmente saudável “afinar-se” com crenças e regras que não lhe dizem respeito, não respeitam sua natureza mais profunda? Podemos aceitar que Tudo é sagrado, tudo é divino e tudo foi gerado pela “consciência cósmica”, mas nem todo sagrado é harmônico com as necessidades básicas e particulares de cada ser manifestado. É como, por exemplo, um animal essencialmente carnívoro querer se tornar herbívoro, ou vice-versa. Tanto os animais quanto a carne e os vegetais são supostamente sagrados, no entanto nem sempre cada um é o alimento correto para uma determinada natureza particular.
Alguns processos psicoterapêuticos ou de doutrinação religiosa podem fazer com que um carnívoro se conforme – e seja feliz – comendo apenas alface, porque o importante para ele (e para seu terapeuta ou mestre eventual) é “ser feliz”.
O horóscopo permite uma sintonia autêntica com o que É, especialmente tornando claro o que não é. Carne não é alface. Carnívoro não é herbívoro.
P – Mas como isso é possível? Como usar o horóscopo para se saber o que não se é e isso servir para alguma coisa?
R – É possível sim, o “como” é o que estamos construindo.
Todos os símbolos são passíveis de infinitas interpretações. Cada símbolo é um “container” de energia. Energia pura (em nós, energia vital). O símbolo permite uma modulação dessa energia, para que ela se expresse e seja percebida como uma manifestação, um aspecto ou formato distinto da totalidade energética do universo, de forma que nós possamos expressá-la e experimentá-la de maneira diferenciada, para atender às necessidades de nossa natureza particular.
A interpretação dos símbolos é uma tentativa de se conectar com alguma dimensão, algum dos infinitos níveis ou planos da manifestação dessa energia, e é isso que acontece. Quem interpreta será o modulador dessa energia, ou seja, ela será compreendida ou manifestada no nível de conexão em que se encontra o intérprete.
Quando um intérprete fala, o símbolo se manifesta, adquire existência particular. As energias se concentram e se conformam dentro do molde que é o símbolo e adquirem então a aparente existência diferenciada.
Qualquer leitura que façamos do símbolo, por mais precisa que seja, é uma interpretação, e será delimitada e formatada de acordo com os conceitos, a sensibilidade e capacidade de expressão do intérprete de perceber os níveis mais elevados – ou não – dessa energia.
A tradução dos símbolos corresponderá apenas e somente a uma possibilidade interpretativa, e não ao fato em si mesmo. Portanto, será sempre e somente uma interpretação.
Qualquer interpretação do símbolo também é uma redução. É o que podemos fazer por enquanto, talvez como estratégia para nos libertarmos da necessidade de qualquer interpretação...
Aquilo que é não pode ser interpretado. Não é dual. Não existe, nesse caso, o intérprete e o objeto. Quando estabelecemos uma relação com o objeto na análise do horóscopo, já modulamos a energia e criamos um modelo de realidade qualquer, pessoal ou coletivo, baseado geralmente em experiências já vividas, em inventários acumulados na memória. E nada de novo acontece.
Nenhuma interpretação, pelo seu próprio embasamento – técnico e histórico – pode trazer algum novo significado. São apenas velhos significados ressuscitando. E agora eu pergunto: a realidade é apenas a repetição de velhas experiências?
É possível o vôo de um pássaro ser a repetição de alguma experiência, ou ele é sempre inédito? Ou aquele rio no qual ninguém entra duas vezes?
Qualquer repetição ou tradução do já experimentado e conhecido – dentro desta lógica – não corresponde à realidade. Aquilo não é mais. Só existe no pensamento. A interpretação do horóscopo é costumeiramente isso: classificação e inventário, repetição de padrões (todo ariano é... todo capricorniano é... toda quadratura significa que...), e isto mostra exatamente o que não é.
P – Isso está ficando complicado. Não entendi como, na prática, se usa o horóscopo para alguma coisa.
R – Na verdade, usar o horóscopo para alguma coisa é simplesmente colaborar com a manutenção da “realidade coisa”. Fomos levados a acreditar que qualquer coisa tem que servir para alguma coisa, nem que seja para fazer sombra, mas quem estabeleceu essa verdade? É uma verdade?
Aliás, essa “verdade” é bem adequada para guarda-chuvas.
A prática astrológica existe, mas não é como você está acostumado a entender a prática das coisas. Não é uma experiência mecânica de repetição linear, de causa e efeito e do entendimento disso. Na Astrologia Presente, como no próprio presente, não há causa nem efeito. Tudo é causa.
P – Como é isso de “não há causa nem efeito”?
R - Para que haja causa e efeito é necessário nos mantermos conectados com o passado das coisas e com o futuro imaginário delas. O inventário é a ferramenta. A memória, a matéria-prima. Referenciamo-nos ao acontecido e o denominamos “causa”, e ao fluxo dos acontecimentos, ou melhor, nossa percepção pessoal do que supomos ser um fluxo temporal, que chamamos “efeito”.
Acontece que a “causa” não pode realmente ser isolada do contexto da realidade, como se fosse um módulo à parte. A “causa” também é um efeito, também está inserida no fluxo da realidade, e, se formos mergulhar no centro dessa espiral, ou teremos uma compreensão absoluta do que é sincronicidade ou curvatura do tempo, ou iremos apenas nos emaranhar numa teia de explicações que não conduzem a nada.
A mente comum precisa fragmentar para compreender algo. Precisa criar módulos estanques de realidade para poder administrar a compreensão dessa realidade. A cristalização de momentos, de “causas”, pode até ser útil, na medida da necessidade do ser encarnado e suas vicissitudes. Nesse caso, como aprendi com a palavra de um mestre, estimula-se o efeito, que a causa aparece... Isto pode ser válido no sentido de poder olhar para os programas e scripts que seguimos e ver o quanto estamos separados ou comprometidos com eles. Não somos nem causa nem efeito, ambos estão fora do indivíduo, podemos observá-los e não nos identificarmos com eles.
P – Não se pode interpretar coisas como tendências, desafios ou facilidades nessa Astrologia do Presente?
R – Três níveis de abordagem são possíveis para cada símbolo. Na verdade, infinitos níveis, mas estes três são adequados para a prática.
O primeiro é o nível pessoal, no qual os símbolos astrológicos sugerem de que forma o indivíduo pode expressar a vida através de seus muitos canais, como a comunicação, a afetividade, a raiva, por exemplo. Nesta dimensão, diretamente ligada ao corpo físico e à mente, apenas o ego é interpretado. Toda análise que é feita se refere única e exclusivamente ao ego e suas possibilidades. Ai está a chave.
Quando interpretamos uma posição planetária, um aspecto, ou outra configuração qualquer no mapa, estamos falando diretamente do ego e para o ego. Estamos nos emaranhando cada vez mais na roda, no círculo, e escapando da espiral...
Aí está a oportunidade de localizar no mapa aquilo que é denominado ego, e a partir disso, sabendo que “ele” não é tudo que existe, é apenas uma interface entre nossa essência e a realidade exterior, já ficamos sabendo que não somos “ele”, e, não precisamos nos identificar com “ele”, nos escravizar a “ele” e a todas as suas referências (comportamento, psique, hábitos, crenças, etc.). São experiências, e como tais devem ser vistas e experimentadas, apenas isso.
Claro que, para se chegar a este distanciamento, este estado de observação, existe um trabalho a ser realizado sobre si, e esta é uma das bases da Astrologia do Presente: saborear conscientemente o momento presente sem nos submetermos a absolutamente nada que não venha de nosso coração.
P – E quais são os outros dois níveis?
R – O segundo nível interpretativo é o Social. São os planetas e configurações, representando a realidade exterior ao indivíduo e como ele a percebe e interage com ela. É onde circulam os “constructos” do ego, os elementos que aparentemente gravitam em torno da pessoa e alimentam e solicitam a existência do ego para que possam, por sua vez, também existir.
A relação do indivíduo com o mundo exterior se faz através deste canal: o ego. E o mundo exterior é na verdade, dentro dessa ótica, uma construção, uma criação do próprio ego. Por isso, dentro do Plano Social, a abordagem crítica do significado das configurações planetárias é tão importante. O indivíduo cria uma aparente realidade exterior a si mesmo (composta de crenças, dogmas, conceitos e regras) e essa realidade passa a se alimentar do próprio indivíduo, em um círculo vicioso, em um “samsara” alucinado do qual a pessoa crê que não consegue escapar, simplesmente porque tem dificuldade de compreender e ver o que está acontecendo, por estar dentro do “jogo”.
Um Mercúrio, no nível ou plano Pessoal, por exemplo, representa – em uma instância muito simples – a capacidade de utilizar o sistema nervoso para se expressar, para comunicar tanto suas idéias quanto seus sentimentos. As sinapses estão aqui incluídas.
No Plano Social, este mesmo Mercúrio vai simbolizar a necessidade de estabelecer contatos, conexões com o que está fora do indivíduo. Existe uma “cobrança”, diretamente feita ao Mercúrio, de que ele “tem” que se comunicar, “tem” que ser compreendido e compreender, “tem” que ser capaz de descrever uma determinada realidade, e o ego e todas as energias do Ser acabam se focalizando nessa suposta necessidade, se contaminando e se comprometendo com um mundo de descrições e idéias que, na maioria das vezes, não representam nenhum acréscimo no encontro consigo próprio ou um fluir saudável em conexão com a natureza.
No terceiro plano, o Transpessoal, esse mesmo Mercúrio vai representar o silêncio e a observação, vai representar o descompromisso com qualquer descrição e a integração com as coisas e os fatos, independentemente das necessidades do ego ou de atender a qualquer demanda da sociedade. No Plano Transpessoal, Mercúrio representa a impossibilidade de distorcer a realidade através de descrições ou artifícios mentais. Apenas a verdade pode existir aí.
P – Pode dar outro exemplo de um planeta nos três planos?
R – Vou dar outro exemplo, e espero que a partir daqui você pense e descubra por si mesmo os possíveis significados dos outros planetas, signos e configurações, dentro dessa abordagem.
O Sol é símbolo do centro e de todos os centros, em torno do qual todas as forças, significados e a manifestações possíveis da energia vital – representadas pelos símbolos astrológicos – gravitam.
No Plano Pessoal, o Sol representa a vitalidade, o fluxo da vida através do corpo que ocupamos. Representa a capacidade de iluminar, fornecer a luz que dá forma e consistência à realidade exterior e interior. A realidade é magicamente gerada pelo Sol de cada mapa, e configurada e formatada pelos demais planetas. O Sol também simboliza a consciência, a fonte da luz. Representa a Vontade e a capacidade de expressar essa vontade, sempre modulada e redimensionada pelos demais planetas.
As descrições do Sol em seu signo e casa, comuns em manuais de astrologia e completamente pulverizadas pela popularização, referem-se a comportamento e a pura e simples manifestação do ego. Qualquer descrição de signo solar (o capricorniano é ranzinza e o ariano impulsivo, lembra?) é uma descrição do ego e nada mais.
No Plano Social, o Sol representa a solicitação do mundo exterior por uma imagem, por uma circunstância denominada “importância pessoal”. A necessidade de reconhecimento é uma distorção do poder iluminante do Sol, que faz a pessoa buscar a luz da consciência fora de si mesma, nos outros ou nos acontecimentos. A “importância pessoal”, a necessidade de reconhecimento de fora para dentro, exige uma demanda extraordinária de energia vital, pouco restando para a caminhada em direção a si mesmo. A força gravitacional do mundo exterior, da sociedade, se manifesta e se engancha nessa necessidade de ter alguma importância no mundo, e aí a força solar é corrompida e, conseqüentemente, todos os demais planetas passam a se expressar dentro da contaminação gerada por essa situação.
É tão forte o apelo a uma imagem solar, a um comportamento estandardizado, em conformidade com a posição de signo e casa do Sol, que o ego acaba se apropriando da força infinita – representada por este planeta – e, engessando o indivíduo em um complexo de imagens e representações, causa um distanciamento absurdo de sua verdade pessoal, de sua própria essência, tornando bastante difícil a volta para o próprio centro.
Apenas com o foco no Plano Transpessoal encontramos forças para nos libertar da imposição e da cobrança por papéis solares, individuais e sociais. Nessa dimensão o Sol representa a compreensão de que somos Luz, manifestações da Luz, estamos imersos na Luz e somos geradores dessa mesma Luz. Parece bastante subjetivo e efêmero o que estou afirmando, mas não o é.
A Astrologia do Presente é prática e vivencial. O que se diz é o que menos importa. O que se vive, o que se respira, o que se experimenta é o que conta na verdade. Falar e descrever é estar comprometido com os planos vinculados ao ego. É claro que nos comunicamos, senão não faz sentido usar um mapa, mas dentro do critério de distanciamento crítico proposto pela Astrologia do Presente, ou seja, com base no que está acontecendo agora, no que estou sentindo agora e não no que senti ou no que aconteceu, e nem mesmo no que suponho que sentirei ou que em algum outro momento imaginário acontecerá. Isso realmente não interessa para esta prática.
Falar a respeito do horóscopo na prática de uma astrologia focada no Presente é como fazer uma canção, uma poesia, seguir um caminho através do qual fluímos e podemos trazer clareza para o que é, para o que acontece de fato, para a verdade das coisas e não para a ilusão temporal que circula fora e dentro da gente e dos eventos. Falar e interpretar o horóscopo é sempre questionar, olhar com implacável e impecável ausência de qualquer critério moralista para o que é e para o que não é, sem complacência e nenhum tipo de piedade ou concessão para crenças e valores instituídos, por mais que isso nos deixe desconfortáveis diante da cobrança de imagem, que o mundo exterior demanda.
No Plano Transpessoal a posição do Sol representa a possibilidade de uma fusão real e consciente com a totalidade da natureza. Significa fluir e navegar pelo fluxo da existência, sem se identificar com a dor e sofrimento ou com a alegria eufórica da sociedade e de suas compensações artificiais. Neste plano, seguir conscientemente, utilizando a força e o recurso proporcionados pelo signo solar é a única maneira de voltar para casa, de voltar para o centro, de encontrar a si mesmo e terminar com toda fragmentação e separatividade que o Plano Pessoal e o Plano Social, dentro de nossa cultura atual, nos impõem.
Atuar conscientemente é utilizar o símbolo do Sol em sua pureza total e se libertar de qualquer programa externo que tente corromper ou contaminar a verdade que se manifesta através de cada um de nós.
O que parece ser uma utopia é na verdade uma proposta real e consistente. Uma escolha que exige apenas coragem de seguir, porque ela é uma escolha natural e intensamente existencial. A mente condicionada, evidentemente, está resistindo a essa proposta com todas as suas defesas. Está tremendo de medo. Está quase em pânico e começando a apelar para o julgamento de que essas idéias são absurdas e sem sentido...
O Sol nos permite perceber que a luz não é solúvel em nada, não pode ser contaminada por nada. As variações de amplitude e freqüência do que estamos denominando Luz, nesse instante, compõem todas as coisas que existem, materiais e imateriais. Ela é real e absoluta, não há como corromper ou distorcer a Luz em si mesma, e, para concluir, é fundamental reconhecermos – e isso só pode acontecer com o foco no Plano Transpessoal – que somos feitos essencialmente de Luz.
Somos feitos essencialmente de Luz.
Val