No dia 13 de julho de 2009, Valdenir Benedetti deixou este mundo para viver entre as estrelas, talvez seu ambiente mais familiar. Porém aqui permanece imortalizado pela sua maneira de pensar e ensinar a astrologia. Muito amado por muitos, deixou uma marca indelével em seus alunos e em todos os astrólogos que com ele conviveram e que reconheceram nele um renovador da nossa arte de interpretar os céus. Como acontece a todos os que ousam transgredir, questionar e inovar, também teve lá seus desafetos, faz parte... Por sorte deixou inúmeros textos, alguns publicados outros não. Este blog foi criado para que todo o seu pensamento fosse acessível tanto aos que o conheceram quanto aos que, ao longo de seu aprendizado da Astrologia, com certeza dele ouvirão falar.



"Há pessoas que nos falam e nem escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidase nos marcam para sempre."

Cecília Meireles







26.6.10

ESTRUTURAS DISSIPADORAS

Ilya Prigonine, físico e químico belga, conquistou o prêmio Nóbel de química com a “teoria das estruturas dissipadoras”. É uma teoria e, como toda teoria digna de ganhar um prêmio desses, bastante complexa, mas ela explica muitas coisas, inclusive para a astrologia.

Voltaremos a falar mais dessa teoria em outra oportunidade, mas em princípio, ela explica o movimento da natureza no sentido de uma organização que evolui e atinge cada vez estados mais elevados de forma irreversível.

De uma forma muito simples podemos explicar a teoria baseando-nos em alguns conceitos consagrados, como o fato de que toda a natureza é sustentada por padrões ordenados e perfeitamente organizados, como uma colmeia de abelhas, ou o DNA, ou o próprio movimento planetário e seus significados supostos. Estruturas que se movimentam mas em essência são aparentemente estáveis. Até mesmo um cristal de quartzo imóvel contém uma infinidade de elétrons em sua dança, trocando energia com o universo.

Para que essas estruturas se mantenham é necessária uma troca constante de energia com o ambiente circundante, e é através dessa troca de energia que as estruturas vão se transformando, se expandindo, evoluindo, se elevando. Quanto mais complexa uma estrutura, maior o nível de complexidade do estágio seguinte da estrutura, maior e mais intensa a troca de energia.

Um exemplo da Teoria das estruturas dissipadoras, dado pelo próprio Prigonine e citado por Marilyn Ferguson em seu livro “A Conspiração Aquariana” (onde podem ser lidos detalhes a respeito dessa teoria), é uma cidade. Ela tem uma estrutura e uma organização que se mantém e se alimenta retirando energia e matéria prima de seus arredores, transformando em fábricas e posteriormente devolvendo essa energia transformada ao meio ambiente. É um sistema aberto e esse processo de troca de energia e modificação da estrutura da cidade Prigonine denomina Estruturas Dissipadoras.

Podemos usar esse conceito de troca de energia e evolução e transformação das estruturas como metáfora para entendermos alguma coisa do que acontece com a Astrologia e com muitos de seus praticantes.

A Astrologia em si mesma é uma estrutura complexa, baseada em um modelo de organização da natureza, o sistema solar e planetário, o cosmos, que, como um DNA imenso, está em constante evolução, está em movimento, é uma estrutura aberta que troca energia o tempo todo com seu ambiente, e por isso evolui, e por isso é uma estrutura aberta e dissipa (consome) muita energia.

Quando entendemos isso, nos sintonizamos com a flexibilidade e abertura dessa rica estrutura (que para nós é convertida em conhecimento e serve de referencia para compreendermos nossas estruturas internas e pessoais), compartilhamos e somos também agentes da dissipação da energia, e junto com a estrutura em seu crescimento, vamos evoluindo e tornando cada vez mais rica e complexa nossa estrutura pessoal, cada vez mais amplo e claro nosso conhecimento e nossa integração com o universo.

Se não compreendemos isso, e insistimos em nos relacionarmos com a Astrologia e suas bases como se ela fosse uma estrutura fechada e imutável, estamos negando a própria força evolutiva da natureza, estamos recusando a troca de energia entre todas as organizações naturais, que se mantém e crescem a partir dessa troca de energia, chamada de dissipação, e ai a Astrologia começa a se tornar um paradoxo antinatural e deixa de se ajustar ao tempo e às condições de transformação do ambiente, que ocorrem o tempo todo. Muitos praticantes de astrologia e estudiosos que procuram compreender seu movimento interno e suas estruturas pessoais através do estudo dessa estrutura maior, cometem um equivoco ao não aceitar a evolução da estrutura e a conseqüente mudança e atualização dos conceitos gerados por ela.

Prigonine observa que os elementos de uma estrutura dissipadora “cooperam na produção dessa transformação. Em tal mudança, mesmo as moléculas não interagem apenas com seus vizinhos imediatos, mas exibem também um comportamento coerente, que se ajusta às necessidades do organismo de origem”. Em outras palavras, e pensando na Astrologia, cada vez mais os muitos ramos do conhecimento, as diversas ciências, são adotadas umas pelas outras, interagem entre si como parte do processo de evolução da estrutura do conhecimento astrológico. Não adianta querer transformar a Astrologia em um sistema fechado e não dissipativo pois assim estaremos matando a própria natureza dinâmica e viva da Astrologia.

Estamos utilizando uma teoria da química e da física modernas como referencia e base para uma reflexão a respeito de nossa relação com a Astrologia e sua prática. A quase obsessão que notamos muitas vezes em alguns praticantes em definir a Astrologia como um sistema fechado e imutável é uma contradição que em nada melhora a qualidade da prática astrológica. Até mesmo a insistência em criar grupos, se unir em clãs que se baseiam em padrões formais e rígidos de nossa sociedade, como sindicatos e outros, cuja única e maior função é se proteger, criar guetos, que só podem existir em uma estrutura rígida e fechada, é um sintoma dessa negação do movimento evolutivo e da transformação, tanto das estruturas que contem a Astrologia, quanto dos conceitos estabelecidos por ela.

É apenas uma coisa a mais para pensarmos. Gostamos de pensar. Creio que está na hora de aceitarmos que a Astrologia é um conhecimento em expansão, que cada vez mais, para se manter coerente em sua complexidade, exige uma troca de energia com outros ambientes, com outros “conhecimentos”. Querer manter padrões rígidos, modelos cuja maior função é, em alguns casos, sustentar poderes e vaidades pessoais, manter hierarquias que em nada melhoram a qualidade de vida e quase nada oferecem para a evolução do ser, é uma atitude no mínimo pouco inteligente. Quanto maior a flexibilidade de uma estrutura, maior a flexibilidade gerada no estágio seguinte da evolução dessa estrutura, como afirma Marilyn Ferguson.

Sempre insisti e sempre afirmei que a chave para a organização dinâmica da Astrologia e para o relacionamento entre seus praticantes era e é a Amizade, palavra tradicionalmente atribuída ao signo de Aquário. Amizade é um agente dissipador que permite a troca de energia entre aqueles que praticam astrologia e todo universo de conhecimento que circunda e que pode interagir com essa estrutura. Isso é melhor que qualquer proposta formal e anacrônica, baseada em modelos de estratificação social capitalistas, que são organizações fechadas e não dissipadoras, e que provavelmente irão criar uma resistência cada vez maior para o processo de flexibilização e atualização do conhecimento astrológico e da prática da astrologia.

A amizade é uma relação estrutural dissipadora, essencialmente horizontal. Praticamente quase todas as organizações hierárquicas criadas com o propósito de organizar e defender a Astrologia são verticais e não dissipadoras, creio eu. Isso vale para organização e também para o uso de técnicas e a modernização e atualização dessas técnicas e dos conceitos astrológicos pertinentes a elas, enfim...

É conveniente observar que não estou fazendo nenhuma campanha particular contra ninguém, nem contra os movimentos aglutinadores e organizadores dos praticantes de Astrologia, sempre em moda entre nós. Apenas estou observando que as estruturas hierárquicas de organização vertical são replicas de um modelo que tem sustentado e alimentado o estado de coisas desse nosso tempo, desse mundo capitalista baseado na competição e na rigidez, fazendo com que o mundo esteja como está. São sistemas fechados que se alimentam dos mais inseguros, alimentam o poder pessoal de alguns mais espertos ou ingenuamente bem intencionados e em nada contribuem para a dissipação da energia, ou melhor para a troca de energia e evolução do conhecimento da Astrologia e consequentemente no conhecimento do Ser. Pensar no assunto não vai fazer mal para ninguém. Alem do que, quando mais coerentes com valores institucionais, que limitam muito mais que libertam, estivermos, quanto mais comprometidos com essa necessidade de aparente segurança e estabilidade que a instituição e suas organizações representativas nos oferecem, mais coniventes estaremos com o estado de coisas em que o mundo se encontra, o que em grande parte se deve ao culto à instituição como um grande Deus que nos protege e nos guia. Será que é mesmo?

A necessidade de “pertencer” faz com que muitas vezes nos comprometamos com organizações e situações que acabam nos escravizando e nos usando para o eventual beneficio de alguns. Isso vale para qualquer instituição que seja fechada e comprometida com uma estrutura aparentemente sólida e aceita pela estrutura social maior. Pertencer e ser aceito pelo “outro” implica em que o indivíduo ainda não está certo de si mesmo, não está seguro, não se basta. Isso não tem nada a ver com a troca, o compartilhar, a amizade, que existem independente de qualquer organização social padronizada e hierarquizada. A amizade existe porque o ser humano existe, simplesmente.



Há alguns anos escrevi em uma lista de debates um pequeno poema sobre a rigidez no comportamento dos praticantes de Astrologia, que era o tema dos debates. O filme Titanic estava em alta naquele momento e o utilizei como metáfora para discutir essas idéias e outras idéias relativas à rigidez de qualquer tipo.











O TITANIC DA ASTROLOGIA









Estamos todos no Titanic

De alguma forma em nossas vidas

Em nossas escolhas

Navegando no Titanic

Que está afundando

Nas águas geladas das pequenas emoções

Água congelada de uma humanidade

que perdeu a humanidade

perdeu o coração

trocou pela fria razão

surgiu o iceberg que rasgou

a alma do navio...



Estamos quase afundando

O navio está indo a pique

Nos agarramos a qualquer coisa

Nos agarramos a tudo

que passa diante de nossos olhos

ao alcance de nossas mãos.

Queremos manter nossa estrutura

nossas estruturas



A insegurança nos faz optar pela técnica

precisa, exata, aguda e fria..

para nos fundamentar e

suprir nosso medo de afundar.

A gente quer se enquadrar

Formar grupos coesos

Juntar os iguais e se agarrar a eles

para ver se juntos

a gente não afunda junto com o navio.

que está afundando...



Existe uma salvação, o mito

A lenda, a historia de amor que ficou,

Desta epopéia

Tão contemporânea, tão presente em nosso

inconsciente.

E o amor, pano de fundo, doce cenário do

naufrágio

foi o que se salvou, foi o que salvou o navio

da perda total.



Talvez ai o caminho, a proposta,

o recurso para nos salvarmos,

salvar o que ainda resta.

Todo o resto, as técnicas sofisticadas,

a rigidez conceitual,

a metodologia formal,

seja moderna ou tradicional,

também a vaidade, o orgulho tolo,

as posições de poder, vão todos

afundar com o Titanic, vão todos para o fundo do

mar,

vão todos para o fundo da mente,

para o abismo do inconsciente

da humanidade, e só vai restar

deste caos todo,

o amor que foi experimentado,

o amor que atrevemos a amar em algum momento..

é o que vai restar.

VALDENIR

1998

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