No dia 13 de julho de 2009, Valdenir Benedetti deixou este mundo para viver entre as estrelas, talvez seu ambiente mais familiar. Porém aqui permanece imortalizado pela sua maneira de pensar e ensinar a astrologia. Muito amado por muitos, deixou uma marca indelével em seus alunos e em todos os astrólogos que com ele conviveram e que reconheceram nele um renovador da nossa arte de interpretar os céus. Como acontece a todos os que ousam transgredir, questionar e inovar, também teve lá seus desafetos, faz parte... Por sorte deixou inúmeros textos, alguns publicados outros não. Este blog foi criado para que todo o seu pensamento fosse acessível tanto aos que o conheceram quanto aos que, ao longo de seu aprendizado da Astrologia, com certeza dele ouvirão falar.



"Há pessoas que nos falam e nem escutamos, há pessoas que nos ferem e nem cicatrizes deixam, mas há pessoas que simplesmente aparecem em nossas vidase nos marcam para sempre."

Cecília Meireles







26.6.10

A JORNADA DO ESPÍRITO - PARTE 1

Te Advirto, quem quer que sejas, Tu que desejas sondar os Mistérios da Natureza.
Como esperas encontrar outras excelências,
se ignoras as excelências de tua própria casa ?
Em Ti, está oculto o tesouro dos tesouros.
Homem, Conhece-te a Ti mesmo
e conhecerás o Universo e os Deuses.

Templo de Delfos


ESPÍRITO E EGO

Em alguns momentos um tipo de torpor invade nossa mente. Uma névoa densa nos envolve e tudo parece morno e meio sem sentido. O que estará acontecendo? O que significam esses momentos, cada vez mais freqüentes nos tempos que vivemos?

Será a manifestação, a incorporação do espírito dos tempos modernos? “Zeitgeist”? A energia das coisas todas que o homem criou, e que talvez, de alguma forma misteriosa, nos possua, invada nossa mente, nossa vida?

O que é esse sentimento de perplexidade, que tantas vezes nos angustia? O que é que nos deixa indecisos, obrigando-nos a mergulhar em estudos, leituras, trabalho, relacionamentos, de tal forma que não possamos parar um pouco e olhar para nós mesmos? O que tememos encontrar?

É claro que estou falando por mim. Mas sei que estou também falando por muitas outras pessoas, gente que relata suas dúvidas, sua incerteza diante da vida, diante da finalidade da própria existência, testemunhas de um tempo que nos conduziu a uma desconexão, e já nem sabemos mais do que nos desconectamos de tão longe que ficou.

Alguns, provavelmente, não costumam experimentar esse sentimento. Estão de tal modo envolvidos em sua sobrevivência, que não têm a oportunidade de olhar para si mesmos, não tem tempo de se questionar e de perguntar por que estão aqui, nessa terra, pois acreditam que já sabem a resposta, além de terem “mais o que fazer”. Para esses, a vida é o que é, simplesmente. Trabalhar, acumular o máximo de bens materiais que puder, acasalar, ter filhos, ir levando como podem. Não existe mais nada além disso. Se você, leitor, está nessa sintonia, com todo respeito lhe recomendo: pare de ler aqui esse texto, pois ele se refere a coisas fora de tua realidade e que em nada podem lhe interessar. Você certamente não precisa de mais dilemas, mais indagações, mais dúvidas do que aquelas de seu cotidiano. E o que posso lhe apresentar são apenas mais perguntas e provavelmente, nenhuma resposta, que essa também estou buscando.

Durante séculos, milhares de “gurus”, guias espirituais, astrólogos, filósofos, psicólogos, videntes, xamãs, enfim, uma infinidade de “estudiosos” tem passado a existência buscando compreensão para essa perplexidade e desconexão entre o Homem e seja lá o que for. Alguns oferecem esperança, outros ampliam a ilusão, reforçam os padrões da cultura; outros apaziguam o espírito inquieto dizendo que é assim mesmo a vida. Outros ainda, apenas se aproveitam da angustia e da solidão das pessoas tentando tirar proveito pessoal. Tem para todos os gostos, mas nenhum que ofereça de fato uma resposta que saia do padrão estabelecido pela cultura da época e do lugar.

Creio que a reflexão e o confronto com essa escuridão, que tantas vezes invade nossos momentos, pode ser um bom começo para encontrarmos a porta de saída. Ou de entrada.

Para tentar responder essas indagações sem fim, vamos adotar a idéia de que existe o espírito. Não importa tanto, nesse momento, a definição que as diversas culturas dão a essa palavra. Consideremos apenas que o Espírito corresponde ao mistério, àquela parte do ser que se conecta com o infinito, se distingue de tudo que nos prende à realidade corriqueira. Alguma coisa como uma entidade que nos habita, e que, dependendo do ponto de vista, é o que temos de mais essencial, pois é o elo entre o homem e tudo que pode ser reconhecido como divino.

É claro que estamos falando de uma entidade subjetiva, que não pode ser testada ou comprovada pela experimentação cientifica. Estamos experimentando um ponto de partida para refletirmos, e para isso, preferimos propor que essa entidade, o Espírito, existe, e existindo, tem uma função, pois nada do que existe nesse mundo deixa de ter uma finalidade, nada do que existe, mesmo que apenas conceitualmente, deixa de preencher uma necessidade qualquer da totalidade da natureza.

Não ousaremos afirmar nesse estágio de nossos pensamentos, se é o espírito que habita nosso corpo, ou se nosso corpo é apenas um instrumento do espírito, mas, se aceitarmos a proposta, apenas como recurso para tentarmos entender as tais das angustias e dúvidas existenciais das quais falamos no inicio do texto, enfim, se aceitarmos a idéia de que o espírito é a porção divina que se manifesta em nós ou através de nós, utilizando o corpo físico como um instrumento para essa sua manifestação, podemos presumir que nossa relação física com o mundo é o meio que o espírito encontra para se expressar e atuar.

Será que podemos mesmo aceitar essa premissa? Ou será que só devemos acreditar naquilo que pode ser provado pela repetição em laboratório? Nesse caso, até mesmo o desejo, a saudade ou a raiva são verdades contestáveis, pois não são equacionáveis e controláveis pela experimentação laboratorial, até onde sei.

Estamos falando do mistério da vida, tentando entrar em contato com esse mistério para entender nossas perplexidades, para compreender tantas questões sem resposta, para pelo menos ter um vislumbre do que é que está fazendo com que a gente se sinta tantas vezes sem rumo na vida, e outra vezes tão cheio de vitalidade e vontade, sem que haja nenhuma razão palpável para essa ciclotimia.

Podemos chamar a essa entidade – que adotamos como instrumento para tentarmos compreender a melodia inaudível da existência – de “mistério da vida”, ou “essência divina do ser”, ou ainda de “self”, mas creio que é mais simples, para facilitar nosso raciocínio, simplesmente denomina-la espírito, que é como nos referiremos a essa fonte de agora em diante.

Mas o que será que esse espírito está fazendo aqui? Qual a finalidade de sua eventual existência e de todas as relações que possam ser estabelecidas entre Ele e a nossa vida? Será que nossa função aqui na terra é apenas atender alguma necessidade desse espírito? Ou será que a função dele é atender alguma misteriosa necessidade de nossa existência?

Meu Deus! Só estou ampliando as dúvidas!

Podemos nos apegar a muitas das crenças, utilizar as diversas cosmogonias existentes que explicam a natureza do espírito, mas o que melhor podemos fazer nesse momento é algum esforço para nos conectarmos com essa realidade intima e aparentemente absoluta, que pode ser sentida por quem realmente quer, que possui a característica de ser improvável e, ao mesmo tempo, tão real e perceptível por cada um de nós que se permita olhar sem medo ou preconceito para dentro de si mesmo.

Reconhecemos que a compreensão da possibilidade do espírito pode oferecer muitas respostas, pode permitir que se restabeleça a conexão perdida há tempos imemoriais com alguma coisa que percebemos existir e que não sabemos exatamente o que é. O espírito, nesse caso, é o veículo da conexão e o próprio objetivo dela, pois nele reside todo o mistério de nossas vidas. No espírito pode estar a resposta para todas as nossas perguntas. Entrar em contato consigo mesmo não é simplesmente constatar nossos desejos e necessidades, mas provavelmente estabelecer também uma relação com essa parte misteriosa de nosso ser, em princípio tão inacessível.

Podemos propor alguns princípios para iniciar nossa caminhada em direção ao mistério de nossa desconexão com o infinito, ou com o espírito, ou com a gente mesmo, se é que essa é mesmo a causa de nossas indefiníveis angustias existenciais. Esses princípios são necessários, pois estamos operando com a mente, e para que a mente consiga aceitar qualquer compreensão à qual possamos chegar, é necessário conceituar o objeto de nosso estudo, pelo menos para termos um “ponto de fuga”, ou uma base de apoio onde concentraremos nossa atenção e de onde se irradiará nosso entendimento.

Uma grande amiga, ânima sábia, como compete às ânimas, me disse certo dia: “o espírito é essencialmente ético”. Essa afirmação, que não sei de onde ela tirou, ressoou em cada célula do meu ser como um fato, com a intensidade de uma verdade incontestável, um princípio cósmico. Porque essa afirmação refletiu tão fortemente em mim, com o impacto de um relâmpago que explode ao nosso lado? Claro que raciocinei e experimentei contestar esse conceito aparentemente ilógico ou sem fundamento, mas tudo que consegui foi me sentir cada vez mais afinado e sintonizado com ele. E se não for assim, se não estiver vinculada ao espírito, de onde ou através de que surge a ética? De um conceito moral, de uma convenção social, de um processo histórico, de uma conveniência biológica? Prefiro acreditar que o sentido da ética é um princípio superior, uma manifestação da Lei que rege a dança da natureza e todas as relações naturais, uma qualidade essencial desse mistério do que somos, dessa força que nos conecta à espiral do tempo. O conceito de que o espírito é essencialmente ético nos conduz à idéia de que, se existe algo sagrado e uma força superior, e que se podemos estabelecer algum contato com essa força, é necessário que seja feito através de uma parte de nós que é essencialmente ética, limpa. Pode ser diferente disso?

Esse agente do mistério denominado espírito, para que cumpra a função de nos conectar ao que é divino, necessita ser uma parte limpa de nós mesmos, a menos impura, a menos comprometida com os vícios e vicissitudes da natureza humana. Por isso a palavra ética tão bem se aplica a Ele. Gostamos de pensar assim, até porque essa idéia nos conduziu a outra percepção interessante a respeito do comportamento humano, do nosso comportamento: a função do ego.

Estamos propondo um entendimento do ego, nesse caso, como o veículo, a interface entre o espírito e a realidade objetiva, o meio de conexão entre essa parte sagrada de nosso ser e nossa performance e expressão social.

Acontece que o ego, em função da perda de contato com o espírito, que a humanidade durante os recentes milênios experimentou pelos mais variados motivos, tornou-se uma entidade muito poderosa, e por causa disso, vem sendo atribuído ao ego cada vez mais poder, cada vez mais funções, cada vez mais responsabilidades, e aquilo que deveria ser apenas o veículo, o canal de comunicação, a ferramenta para que o espírito pudesse interagir com a realidade material, tornou-se a prioridade, tornou-se o objetivo. O mensageiro ocupou o trono do monarca. A ponte passou a ser mais importante que o rio.

Agora, experimentemos pensar: para que se estabeleça e se mantenha o poder do ego, para que o veículo em si seja mais importante que seu objetivo, - que é ser o instrumento de passagem entre a realidade espiritual e a realidade material - , algumas ações são necessárias, a começar pela negação da realidade espiritual, pela desconexão com o componente divino que existe em nós e que estabelece nosso contato com o infinito.

Bem, aceitando como base o princípio de que o espírito é essencialmente ético, para que possamos negar sua existência ou sua importância, para tentarmos romper nossa conexão com ele, a negação da conduta ética, a opção pelo antiético pode ser uma forma de ampliarmos o poder do ego e aumentar ao mesmo tempo o abismo entre nossa consciência e o espírito.

O ego é um instrumento saudável e necessário para nossa sobrevivência na realidade material, afinal somos feitos de carne, seres encarnados. É um canal, e como tal deve ser respeitado e mantido em condições de limpeza, fluidez, equilíbrio. Acontece que o apelo do mundo material é imenso, e esse apelo se serve do ego para nos atrair e comprometer com certas necessidades e regalias que passam a ser a base do critério de realidade de muitos de nós. Para que o mundo material possa nos fascinar e atrair dessa forma, nos é oferecido o poder de manipular a realidade através do ego, e nesse momento nos comprometemos com a idéia de que o ego é o instrumento do poder e da felicidade, e assim vamos nos desvinculando de nossa essência, até chegarmos ao ponto de não conseguir enxergar mais caminho de volta, ou de acreditar que a realidade física é a única realidade possível.

Para que o ego se fortaleça e deixe de ser um instrumento de ligação entre o espírito e a realidade da vida, um dos meios que o mundo pode utilizar para promover esse rompimento é nos sugerindo que atitudes éticas podem prejudicar nossas vidas, podem nos fazer caminhar para traz, podem tirar o prazer de viver, podem reduzir drasticamente nosso aparente poder de controlar a realidade.

Pode ser que, em função de sua característica subjetiva e distinta da realidade material, o espírito não tenha vínculos com algumas necessidades humanas pertinentes à realidade material, como a necessidade de segurança, de reconhecimento e aceitação, de controlar. Essas necessidades são próprias da relação do ser com o mundo material e fora desse contexto, não fazem sentido algum.

A partir da relação entre o indivíduo e o que o mundo espera dele, o ego se torna o canal e o mais poderoso instrumento de manutenção dessa relação possível. Para que sejam atendidas as necessidades criadas nesse fluxo e refluxo das intenções e dos desejos do corpo e da mente, é importante manter o ego, o instrumento, alinhado com a realidade do mundo, e consequentemente, se comprometer cada vez mais com ele, depender cada vez mais dele, e dessa forma, ir se afastando de nossa própria essência, que estamos chamando de espírito e que muitas vezes não tem nada a ver com isso, não tem expectativas, não precisa de vaidade ou poder ou qualquer tipo de controle, tanto quanto não precisa de romper com nenhum princípio ético da natureza para chegar aonde o ego foi convencido pelo mundo que deve chegar.

Voltando ao tema de nossas angustias e indagações, estamos caminhando para uma tentativa de compreensão desse dilema existencial que tantas vezes nos perturba e deixa sem rumo. A questão do espírito e da eventual supremacia do ego, gerando esse tipo de abismo entre a realidade vivida e a nossa essência, pode nos conduzir a alguma compreensão, e é isso que tentaremos fazer nos próximos artigos.

Estudaremos e refletiremos a respeito das expectativas humanas, do poder, da vaidade, do controle, da insegurança e de outros elementos que se agregam à personalidade e podem nos escravizar ao ego, fazendo com que haja um rompimento com o espirito, e pensaremos em como podemos fazer para mudar essa situação e encontrarmos um caminho mais iluminado de conexão com o espírito.

Mas já podemos adiantar, de acordo o texto acima que, a conduta ética é o primeiro e talvez mais importante passo para nos conectarmos ao espirito e nos libertarmos da possível escravidão ao ego.

VALDENIR BENEDETTI

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